segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Unfollow

8 abas abertas. Nenhuma resposta. Duas notificações. Convites para eventos. Confirmar presença? Talvez eu vá. Gente xingando muito no twitter. Gente reclamando. Gente reclamando de gente que reclama. Gente reclamando de quem reclama de quem reclama. Gente escrevendo sobre quem reclama. Uma nova solicitação de amizade. Alguém curtiu uma foto mina no instagram. Alguém na Venezuela. Alguém de El Salvador. Um pré-adolescente guatemalteco agore te segue. Como foi que ele te encontrou? Você precisa produzir, mas os mminutos não existem. O tempo não existe. Você vê um vídeo, vê os vídeos relacionados. Vê os vídeos relacionados aos vídeos relacionados. Tem alguém me chamando no whatsapp. Meu dia tem 98 horas. Ainda tenho que ficar bonito. Ainda tenho que estar na moda. Ainda tenho que ser educado. Ainda tenho que lidar com gente que eu detesto. Tenho que ser. Tenho que ter. A it t-shirt. O it acessório. It. What is it? E o que será que eu sou? Já ouviu aquela banda nova da Estônia? Não? Que ano é hoje, Marco Aurélio? E o filme dos irmãos Cohen? E a 2ª temporada de Revenge? Quem você é, afinal? Se não tem o último modelo do iPhone? Se não frequenta a Casa da Matriz? Se nunca tomou um milkshake de kit kat, que custa 22 reais? O que você faz nesse mundo? Quem é você, que não tem um Ray Ban wayfarer? Que não assiste Avenida Brasil? Que não foi no Lollapalooza? Que nunca marcou encontro pelo Grindr? Que não tira foto de sushi? Eu não te conheço. Mais. Você era eu. E não era. Você ainda é. Em algum lugar. Você está. Mas não está. Você morreu. Te dei unfollow. Mas você ainda me segue. Sonhando os mesmos sonhos de antes. Rezando em voz baixa, pra ninguém perceber que a fé ainda existe. Chorando escondido. De tanto amor contido. De tanta vida.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

A cobrança

Não é como se eu tivesse acordado e toda a minha mágoa tivesse ido embora. Não é bem assim. As time goes by, vou aprendendo a não me importar mais com as coisas. Eu, que sempre me importei demais, me sinto cada vez menos em dívida com o mundo. Não sei exatamente como foi que isso aconteceu, mas, quando eu percebi, a culpa tinha sumido, o medo tinha ido embora. O que ficou foi uma vontade de viver que não cabe em mim. Foi um amor que eu nunca pensei que eu pudesse sentir por mim mesmo. Foi esse ímpeto que me impulsiona, que me move sem que eu perceba. Tudo o que eu reprimi durante anos, tudo o que eu tentei matar dentro de mim, tudo isso sobreviveu, e o que morreu mesmo foi o manto de vergonha e sofrimento com o qual eu me vestia. Pela primeira vez na vida, me sinto jovem. I used to be a little boy, so old in my shoes. But not anymore. 

Me privaram do direito de errar, me fizeram acreditar que eu tinha a obrigação de ser perfeito, como se isso fosse uma meta que eu pudesse atingir. Na minha inocência, fiz o que pude e o que não deveria ter feito para atender tais expectativas, sem saber que a suposta perfeição que exigiam de mim estava fora do meu alcance. Agora, eu, que sempre fui a criança mais comportada, o mais bem educado, o amigo mais devotado, aquele em quem todos podem confiar, o mais compreensivo e altruísta, aquele a quem só querem bem, eu, que me esforcei tanto para acumular todos esses títulos, posso dizer aliviado que finalmente me sinto livre de todo esse peso nas minhas costas. 

Dia após dia, me dispo da cobrança que me veste. Meu débito deixou de fazer diferença. 



sábado, 21 de julho de 2012

Implosões


Não tinha mais fé. Não acreditava mais no inacreditável. Tinha perdido o gosto pelo absurdo. Só conhecia o que era físico, o que podia ter nas mãos. Só se comovia com o concreto. E ainda assim, sem saber bem por que, tinha lágrimas nos olhos. Sentia o peito estufado. Na garganta, mais um grito abafado. Explodia. Não estava acostumado a explodir. Fora instruído a agir de outra forma. Implosões lhe eram muito mais familiares. Mas não conseguia mais fazê-lo. Ele transbordava. Era quase uma inundação. 

domingo, 10 de junho de 2012

Sobre existir e durar

“Só existimos quando fazemos. Quando não fazemos, somente duramos”.


É isso o que tem me incomodado ultimamente. Sinto que tenho muito a fazer. Sinto que não estou fazendo nada. Sinto que estou apenas durando, deixando de existir.


Apenas durar é morrer. É sufocar o último sopro de vida que resta em mim. É apenas deixar que o meu corpo cumpra as suas funções biológicas.


Estou cansado de repetir. Eu repito e me repito. Estou cansado da rotina diária, do cotidiano. Estou farto de tudo o que me convém.


Dentro de mim, cresce o desejo. Eu, que me julgo estéril, sou terra fértil, e um dia ainda vou me surpreender com os frutos que eu der. 

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Why do I keep beating myself with a hammer?

Cismou com ele porque é assim mesmo. A gente sempre cisma com alguém, quando não tá fazendo nada e em busca de alguma diversão. É difícil viver sozinho se a gente não tiver pelo menos uma cisma.

sábado, 26 de maio de 2012

About a boy

Houve um tempo em que eu subiria ao púlpito com o microfone em riste, os olhos fechados e as mãos trêmulas. Houve um tempo em que eu entoaria louvores ao Senhor. Houve um tempo em que toda a congregação me aplaudiria de pé quando a música acabasse. Houve um tempo em que eu não guardaria tanta mágoa no meu coração, nem me deixaria dominar pela raiva. Houve um tempo em que eu não estaria escrevendo nada disso.  Houve um tempo em que eu não era eu.


domingo, 29 de abril de 2012

Madame Bovary c'est moi

Sempre gostei de novela. Desde criança. Meu pai não gostava que eu assistisse, então eu via escondido. Corria para a casa da minha avó, que ignorava conscientemente a proibição, ou via no quarto, enquanto todos se distraíam com alguma outra coisa. Se alguém se aproximava, eu mudava de canal.

A minha maior vontade era virar um grande autor de novelas. Quando me perguntavam o que eu queria ser quando crescesse, não era essa a resposta que eu dava, mas era sempre nisso que eu pensava. Eu elaborava tramas mirabolantes, cheias de reviravoltas. Minhas histórias eram sempre muito trágicas e abordavam temas polêmicos. Eu fazia também a escalação do elenco, escolhia os diretores geral e de núcleo com quem eu trabalharia, e até selecionava as músicas que estariam  nas trilhas nacional e internacional de cada uma das minhas "obras". 

Eu perdia muito tempo sonhando com essas coisas. Eu perdia muito tempo sonhando. 

O primeiro livro que eu me lembro de ter escolhido numa livraria, o primeiro livro que eu pedi que os meus pais comprassem pra mim foi uma edição de A Bela Adormecida, cujas páginas eram, em sua maioria, ocupadas por ilustrações que enchiam os meus olhos. Todos os dias, antes de dormir, minha mãe tinha que reler o conto. Eu só pegava no sono depois que ela tivesse feito isso. Enquanto ela lia, eu ficava prestando atenção em cada palavra e observando as ilustrações. Acabei decorando a história, de modo que até hoje eu sou capaz de contá-la exatamente do jeito que a minha mãe lia pra mim.

Já bem cedo, quando eu nem sequer tinha sido alfabetizado, eu perdia o meu tempo sonhando. 

Eu sonhava com princesas, com carruagens, com bailes de gala. Sonhava com fadas e com bruxas, com reis e seus súditos, vivendo felizes em seus reinos. Com bosques, florestas, encantos e poções. Só mais tarde eu comecei a sonhar com as minhas heroínas sofridas, vítimas de estupro - sim! -ou sofrendo de alguma doença terminal. Só mais tarde eu comecei a sonhar com mães dedicadas, capazes de passar por cima da lei pelo bem de seus filhos. 

De qualquer maneira, eu perdia o meu tempo sonhando. Mesmo quando os meus sonhos foram ficando mais sombrios, ainda eram sonhos, afinal.

E assim eu cresci, sempre perdido em devaneios. Só que os meus sonhos me afastavam tanto da minha realidade que, quando eu dei por mim, houve uma espécie de curto circuito e eu nunca mais funcionei do mesmo jeito. Percebi que, ao sonhar, eu evitava encarar o que estava diante de mim o tempo inteiro. E que, por tanto sonhar, eu paguei um preço. Tive, e ainda tenho, pena de quem eu era. Por algum tempo, parei de sonhar, e foi como se eu tivesse morrido. Me arrastei pela vida, feito um zumbi. Não tinha nenhuma emoção, não me comovia com nada. Não tinha prazer em nada do que eu fazia. Só ia vivendo. 

Nunca deixei ninguém perceber que eu não estava bem. Mesmo porque, na companhia de outras pessoas, era como se eu deixasse de ser eu. Eu estava sempre sorrindo, sempre de bem com a vida. Tentava ajudar as pessoas ao meu redor, que era uma maneira de eu me ocupar e não ter que pensar em mim, na minha condição. 

Mas isso também mudou. Um outro curto circuito teve que acontecer. De repente, comecei a sonhar de novo. E cá estou. Continuo perdendo o meu tempo. Se não fosse assim, não seria eu. A diferença é que, agora, os meus sonhos deixaram de ser sonhos. São projetos. A minha fantasia virou realidade. Perdi a fé, mas não perdi a esperança. Deixei de acreditar cegamente, o que não quer dizer que eu não acredite em nada. Sim, eu acredito que é preciso acreditar. Mesmo que se acredite na descrença total.

Não exagero quando eu digo que eu sou a própria Emma Bovary. Ou era.